O objetivo do projeto é compreender uma forma de atuação moral fortemente presente em várias esferas sociais na atualidade e que chamo de moralismo ostentatório. Trata-se de uma forma de operacionalização da crítica de maneira acusatorial, isto é, baseada na simplificação da complexidade moral do mundo em favor de uma moral única (opção que chamo de moralista, por oposição a uma abordagem moral das situações, que contemplaria um mundo de múltiplas moralidades e o accountability social). Nessa postura, o outro, responsabilizado pelo ocorrido, é apontado como causa específica de um mal e, no caso do moralismo ostentatório, isso é feito por meio de uma intensa performance da posição de impossibilidade de negociação – especialmente com marcas de agressividade e redução do outro à impossibilidade de interlocução. A aposta analítica do projeto é que essa forma de atuação da crítica tem desempenhado um papel central tanto em manifestações políticas quanto em interações comunicacionais cotidianas (notadamente nas chamadas “redes sociais”, mas não apenas), tanto na atuação do Judiciário e do Ministério Público quanto em comentários de reportagens de jornal. Para tanto, a pesquisa recorre a uma matriz multicentrada de frentes empíricas: 1) Um estudo de manifestações políticas as mais variadas, especialmente as manifestações públicas de movimentos sociais e outros atores coletivos; 2) Um estudo de processos judiciais (tanto dos chamados crimes de ódio quando de crimes atualmente de grande visibilidade, como acusações de corrupção e assédios moral e sexual) e processos legislativos de criações de leis, com ênfase nas justificações morais da persecução de determinados atores; 3) Um estudo de casos (affaires) da chamada public shaming, com ênfase na construção moral dos envolvidos e das críticas constituídas; 4) Uma etnografia digital de grupos de ódio, comunidades virtuais cuja base é propagar descrições negativas sobre determinados atores ou categorias de atores; 5) Um estudo de sistemas de geração e administração de opiniões, tanto para se compreender o conteúdo e a circulação da mesmas em mecanismo de comentários de sites quanto pra se entender a produção automática das mesmas por aplicativos digitais chamados “robôs”, que mimetizam um senso moral para produzir opiniões. A análise se fundamenta em uma sociologia da moral de inclinação compreensiva e pragmatista que tem marcado meu trabalho e de meus parceiros de pesquisa. Como resultado, espera-se ser capaz de fazer uma genealogia desse fenômenos, bem como compor um quadro dos principais elementos operativos dessa simplificação moral, permitindo entender como essa performatividade ostentatória do moralismo se tornou um valor importante no jogo político contemporâneo e como um quadro moral de vários mundos caro ao ideário moderno resvala no crescimento dessa performance agressiva.
Integrantes: Alexandre Vieira Werneck (coordenador), Danielle Rodrigues de Oliveira.