Autor: Marco Aurélio Borges Costa
O objetivo dessa tese foi discutir a violência no estado do Espírito Santo como um processo de acumulação social, no qual não houve um fator único ou predominante, e sim uma combinação de fatores que intensificaram um processo que já vinha em curso ao longo da história. A especificidade do Espírito Santo em relação ao Brasil é sua posição próxima aos estados mais desenvolvidos da federação sem, no entanto, compartilhar das mesmas condições de desenvolvimento econômico e estrutural. Sua estrutura coercitiva na segunda metade do século XX é incapaz de garantir concentração de capital e sua economia e estrutura política se sustenta nos modelos tradicionais ancorados na produção de café, apelando constantemente às agências de violência privada – empresários da violência – para exercer a violência no território, sem um completo monopólio. As drásticas transformações provocadas pela erradicação dos cafezais improdutivos no fim dos anos 60 e a industrialização acelerada do fim dos anos 70 não foram capazes de dotar o estado de estrutura tanto coercitiva quanto de atendimento das demandas sociais. Pelo contrário, os intensos fluxos migratórios decorrentes tanto da erradicação dos cafezais quanto da industrialização acelerada – também chamada “Grandes Projetos” – agravaram ainda mais o déficit na atuação do governo local em todos os aspectos. Nesse contexto, embora seja complexo fazer afirmações sobre as taxas de homicídio no Espírito Santo antes de 2003, é notório que os assassinatos cresceram significativamente a partir dos anos 80. No início dos anos 2000, o estado se vê mergulhado em uma crise institucional e financeira, que leva a união do setor produtivo e outros atores para por fim ao que ficou denominado “crime organizado”, representado principalmente pela organização conhecida como “Scuderia Detetive Le Cocq”. Essa organização, cuja atuação é muito próxima das instituições públicas, exemplificando sobremaneira o conceito de empreendedorismo violento e
como ele tem sido uma constante na história do estado, se tornou a representação simbólica do “mal” que assolava o Espírito Santo e impedia seu desenvolvimento. Por outro lado, as taxas de homicídio, que já nessa época colocavam o estado dentre os mais violentos do país, eram fatores secundários, e mesmo depois da “vitória” sobre o “crime organizado” continuaram a crescer, acompanhadas de um processo de encarceramento em massa. Os homicídios só começam a entrar em trajetória de queda a partir de 2009 enquanto o encarceramento continua se ampliando. Pode-se perceber ao longo do trabalho que a emergência do “homicídio” como problema público, embora passe a fazer parte do conjunto de pressões que afetam a administração pública, continua sendo tratado como uma formalidade administrativa seja pelos grandes atores institucionais, seja no interior do sistema de justiça criminal. Tal fato revela que o reconhecimento social, mesmo em seus aspectos mais básicos como o reconhecimento do direito a existir, ainda é algo a se construir no âmbito da sociedade brasileira.